Introdução

A origem da Intervenção Urbana está remotamente localizada nas relações entre o Futurismo, o Dadaísmo, o Surrealismo e a Bauhaus como movimentos que deslocaram seus preceitos artísticos de lugares comuns e questionaram de forma incisiva os papéis atribuídos à arte, ao artista e ao público. Jorge Glusberg em A Arte da Performance, analisa os pontos de contato destes movimentos com as artes performáticas: “(...) o que se buscava era uma vasta abertura entre as formas de expressão artística, diminuindo de um lado a distância entre vida e arte e, por outro lado, que os artistas se convertessem em mediadores de um processo social (ou estético-social)1”. Surge daí a filiação de práticas como o happenning, a performance e a live art que se relacionam intimamente com a Intervenção Urbana como propostas atuantes em um território de fronteira, onde está em movimento a questão artística como necessidade vital: a apreensão da arte como uma aventura ontológica.

Nesse contexto a Intervenção Urbana introduz a premissa da arte como meio para questionar e transformar a vida urbana cotidiana. Os sujeitos são ativos e criadores e a realidade passa a ser não mais reproduzida e sim produzida. As propostas de ação nascem de estudos de campo, apoiados na percepção do fenômeno urbano como um todo e nas situações potenciais que vão catalizar os elementos da criação. As ações visam intervir diretamente no entorno onde se desenvolvem, alterando assim os fluxo do cotidiano e gerando novos códigos de leitura.

Nesse sentido, a Intervenção Urbana marca a tomada do espaço público como campo de conexão direta entre o sujeito e a sociedade. Esta proposta entende o exercício do desejo e da democracia, como via emancipatória das ditaduras mercadológicas e outros modos coercitivos do poder.

Em meados dos anos 60, experiências artísticas importantes marcaram a cena norte-americana, especificamente no bairro do Greenwich Village, em Nova York2. Ocupações genuínas do espaço comunitário abriram caminho para uma vasta e interessante produção artística ao instituir modelos de produção cultural e artística baseados em novos paradigmas e sobretudo na convivência dinâmica entre artistas e cidadãos envolvidos.

Em São Paulo, nos anos 70, grupos como o “Viajou sem Passaporte” e o “Três nós Três” já apontavam para a necessidade de romper com dispositivos artísticos estabelecidos, como a curadoria de museus e o uso do edifício teatral, através de intervenções no espaço público que visavam uma “crise na normalidade”, questionando de maneira pungente os limites da arte.3

No cenário paulistano nos dias de hoje, a cena da Intervenção Urbana vem configurando-se em uma organização de grupos conectados em redes (reais e virtuais) para discussão e execução de propostas voltadas ao espaço público. Já são muitos os grupos que vem sistematizando a diversidade dessa linguagem e refletindo sobre seus contornos dentro do panorama da arte contemporânea.

Partindo de uma reflexão da experiência prática e de exemplos de trabalhos realizados nos últimos dez anos, buscamos com este trabalho elucidar relações intrínsecas entre corpo e espaço e abordar procedimentos de criação dentro da Intervenção Urbana. Para tal, utilizamos o conceito de Corpomídia que considera o corpo não como um depositário de informações, mas um agente de relações processuais com o ambiente no qual está inserido. Em termos de criação artística, é a partir da apreensão senso motora do mundo que o corpo sintetiza as situações potenciais de criação, fazendo uso assim do que o espaço público pode oferecer como disparador de ações da Intervenção Urbana.